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sexta-feira, 16 de março de 2018

Salomé: o desassossego, o sonho poético (de fato, vale muito a pena ver essa peça teatral).


Do experimentado diretor, Jair Damasceno, e de sua maravilhosa trupe teatral, a peça Salomé F.P. trata-se duma recriação da obra do grande poeta e dramaturgo, Fernando Pessoa. Aliás, um trabalho magistral, que já encantou Campo Grande e poderá encantar o Brasil e, oxalá, Portugal e outros países. Por que não dar asas ao sonho? Ainda que o sonho seja apenas um perfume ou um vinho de luar a nos embriagar!   Para quem sonha não há hora e o vir-a-ser pode se dar num repente...

Bem assim, Salomé nos instiga ao encontro do sonho, traz-nos reflexões, provocações, inspirações, medos, nos desperta para a vida, nos confronta em nossas humanidades, nossas fugas. Salomé é, ou bem pode ser, o espelho de nossas imperfeições, olhando nos nossos olhos, a pedir-nos a cabeça numa salva de prata. Ela, justamente, com sua fronte coroada de sombras, nos faz tremer como folhas ao vento num chão de pedras.
Um espetáculo para os melhores palcos. Assim, pois, que rufem os tambores, o Pessoa vive em nós, podemos vê-lo, quase apalpá-lo, sua lúcida loucura, em Salomé.

Do estático ao êxtase, no teatro, acontece um desnudar-se de quantas vestes da hipocrisia, cujas orlas cobrem o gênero humano, é o que bem incorpora cada actor-personagem em cena, cuja in-completude, talvez, somente se complete na tela mental do expectador activo.

Do mito cristão à poética do Pessoa e agora em novas roupagens, Salomé, a nossa pergunta entre o onírico e o real, vida e sonho que se fundem de modo espetacular no labirinto de quem somos.

Que o bocadinho de bem e de mal, do Baptista e de Salomé, a reger nossas entranhas, nos viabilize alhures, ao menos sonhar, criar, recriar, além dos pesadelos que, vez ou outra, nos visitam, sem sequer avisar. Porque a vida é sonho e o que nos mata é o despertar, tal o escrito de Virginia Woolf, numa intertextualidade com Shakespeare, alertando-nos de que somos feitos da matéria dos sonhos. Acaso Salomé F.P. saberá disso tudo? Saberá de nós o porquê, o ser ou o não ser?

Com ou sem fingimento, se a sua alma não é pequena, lembre-se de ver essa peça, porque, de facto, vale a pena!

Ismael Machado
Poeta, escritor e editor

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